A importância de ler e escrever

quarta-feira, 18 de novembro de 2009
Remontar a uma época em que não lesse ou escrevesse é tão difícil como tentar situar no tempo e no espaço a primeira memória de todas. Revendo alguns episódios em flashback da minha infância apercebo-me de que já nessa altura era uma criança estranha. Nunca tive muitos amigos e aqueles em que realmente confiava viviam na minha imaginação. Claro, vai-se crescendo e aprendendo a importância que os outros têm na nossa vida - e a dificuldade que acarreta manter do nosso lado as pessoas que verdadeiramente nos interessam e fazem falta (sim, porque sempre considerei isto da amizade um gesto de egoísmo recíproco). Ainda assim, se houve coisa que aprendi em miúda foi que quem lê nunca está sozinho e só sozinho é que se pode ler.

Durante muitos anos morei na «linha», que para quem não conhece é a faixa costeira dos subúrbios de Lisboa. Ainda a A5 era uma miragem quando passávamos, eu e os meus pais, longas horas nas filas da marginal, de manhã no sentido de Lisboa, ao final da tarde desejosos de chegar a casa. Não me calava durante um segundo. Inventava todo o tipo de histórias ou simplesmente lia todas as tabuletas e outdoors que encontrava pela frente - o que se tornava muito exasperante, especialmente quando viajávamos para Espanha e eu tentava ler em espanhol. Tanto dava ser uma indicação, o nome de uma cidade ou um anúncio a um detergente para a roupa. Interessava era ler qualquer coisa (em voz alta, o que tornava o acto de leitura presente para todos, independentemente da vontade que existia em me quererem ou não ouvir).
Às vezes, nas férias grandes (quando era mesmo férias e eram mesmo grandes) partíamos à aventura, de carro, sem rumo certo. Tanto podiam ser 2 ou 3 dias como 15. Era até os meus pais se cansarem das «voltas». Eu só me cansava quando deixava de ter o que ler. Uma vez, em Londres, fiz uma birra (daquelas «à antiga») porque não percebia porque é que nas livrarias não se vendiam livros em português (então não se vendiam livros em inglês nas livrarias portuguesas?). A minha mãe disse-me, com uma calma muito mal disfarçada: "lê outra vez os livros que trouxeste". Mas não era a mesma coisa... a repetição é uma coisa que aborrece, seja nos livros, seja na vida.

Já perdi a conta às palavras que fui deitando cá para fora ao longo dos anos. Sou distraída e esqueço-me de tudo o que não fique apontado (sou daquelas que espalha post-its por todo o lado). Na escola a opção foram as Humanidades, no Ensino Superior o Jornalismo e a História. Milhares e milhares de palavras, manuscritas e dactilografadas, muitas delas que já se perderam e outras que nem sequer chegaram a cumprir o objectivo a que se destinavam. Já menos miúda, fiz, com muito gosto, vários amigos na faculdade. No entanto, ainda hoje a lembrança mais nítida que provavelmente têm não é de mim, mas sim dos meus (fantásticos) apontamentos. Nas aulas sempre escrevi para me manter atenta e, principalmente, para não adormecer - mas, lá no fundo, acho que era porque tinha medo de que tudo se desvanecesse por não ter ficado escrito. Só me lembro do que escrevo, já disse. É uma questão de intelectualização do mundo através das palavras. Há quem o faça através da imagem ou dos sentidos. Para mim são as letras que tornam inteligível o que me rodeia.

Desde que fiz da blogosfera a minha quarta «casa» (há uma onde durmo, uma onde trabalho e outra onde derreto os meus neurónios à velocidade da luz) apercebi-me da falta que me tem feito não escrever todos os disparates que me passam pela cabeça. Nunca quis ser escritora, até porque me parece que a necessidade de ler e escrever transcende toda e qualquer ambição de ser «profissional» na coisa. É como respirar - tem dias que estamos mais ofegantes e noutros mal damos pelo ar a passar por nós.

2 Disparates:

india disse...

somos mesmo parecidas...

JM disse...

... e por isso é que nos temos dado tão bem!

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